O fotógrafo carioca Guilherme Licurgo lança livro com imagens de bailarinos da Martha Graham Dance Company
Bailarinos com seus corpos impecáveis, tecidos fluidos, ambientes áridos e uma câmera Canon. Isso foi tudo que o fotógrafo carioca Guilherme Licurgo precisou para fazer as mais de 150 imagens do livro "Desert Flower" que traz dançarinos da Martha Graham Dance Company se transformando em flores. Os tecidos são, na verdade, bem mais que isso: são peças do acervo da companhia de dança americana assinadas por estilistas como Oscar de la Renta, Calvin Klein e Donna Karan. O livro será lançado no dia 26 de março, na livraria Argumento no Leblon.
— Adoro o movimento dos bailarinos, o corpo é muito plástico. Quando criei o projeto, fotografado entre 2011 e 2014, queria aliar moda, dança e arte _ conta Guilherme. _ Desde a primeira sessão de fotos, feitas na Praia da Barra, vi as flores quando os tecidos eram jogados pelos ares. Ai nasceu a ideia da série.
Foi vendo Terry Richardson com a sua simplérrima Yashica que
Guilherme Licurgo se apaixonou por fotografia. O então modelo e
advogado estava sendo fotografado para o livro “Rio Cidade Maravilhosa” e
ficou impressionado como aquela máquina tão mixuruca podia ter aquele
resultado.
— Só Terry, a cena e a câmera minúscula.
Aquilo me fascinou e fez nascer a vontade de fotografar. O
descompromisso e a leveza me estimularam a seguir na fotografia — conta
Guilherme, 30 anos, que acompanhou o fotógrafo americano em outras fotos
no Rio e, dois anos depois, em 2010, e já como fotógrafo, voltou a
trabalhar com Terry, no calendário Pirelli clicado em Trancoso. — Ele é
muito divertido e generoso, características que não são tão comuns nos
fotógrafos famosos.
Durante esse tempo ao lado de Terry,
Guilherme fez a sua primeira foto: uma imagem do pôr-do-sol, em que o
morro Dois Irmãos aparece debaixo de uma das duchas da Praia de Ipanema.
Poderia ser só um teste, uma imagem que ficasse de memorabilia para o
autor, mas a foto, chamada “Dois irmãos tomando banho”, virou uma das
mais famosas dele.
— Foi premiada em um concurso em
Berlim, e é das que mais faz sucesso entre colecionadores que compram os
quadros das minhas fotos — avisa ele, que fez apenas 15 cópias da
imagem.
O clichê “tudo aconteceu muito rápido” cabe perfeitamente na
história de Guilherme. No mesmo ano em que começou a fotografar os
bailarinos, foi convidado para um projeto para o estilista italiano
Roberto Cavalli, em que clicaria imagens artísticas para um livro (que
se tornou um edição online). Dividindo o set com o fotógrafo Steven
Klein e o diretor Johan Renck, ele criava imagens artísticas para o
lançamento de uma coleção do estilista.
— Eu ali, ao lado
desses monstros, foi incrível — comenta sobre a sessão. — Nesse mesmo
ano, 2011, ganhei o II Prêmio Itamaraty de Arte Contemporânea e a foto
“Ordre et progrès” passou a integrar o acervo de arte contemporânea do
governo brasileiro. É uma imagem que fiz em Paris, subi na roda em
Tuileries e vi um recorte que parecia a da bandeira do Brasil, era um
quadrado com um chafariz no meio.
A partir daí, tudo
aconteceu. Exposição na Itália, assédio de galeristas, fotos em livros
da editora Assouline, prêmio da revista “Visionaire” e muitos convites
de trabalho. Guilherme fotografou para marcas que vão da Renner a
Adriana Barra e Huis Clos. Clicou para revistas como “Lancaster Paris",
“Wonderland”, “GQ” e “Vogue”.
— Eu gosto de fotografar
quase tudo. Preto e branco, colorido, em estúdio, ao ar livre...
Fotografo o que me emociona, deixo transparecer o que sinto mesmo em
fotos mais técnicas. Gosto muito de geometria e de linhas retas. Talvez
isso seja uma característica do meu trabalho — define ele.
E pensar que ele só tem seis anos de fotografia.
Em
paralelo a todos os editoriais de moda e projetos de arte, Guilherme
Licurgo se manteve focado nos bailarinos de Martha Graham. Acompanhou
turnês da companhia pela Europa e, nos intervalos dos ensaios e
apresentações, aproveitava para fotografar.
— Tinha que
ser muito rápido. Eles tinham vinte minutos de intervalo — conta
Guilherme, que sempre pesquisava cenários antes, mas em quase todas as
vezes, precisou encontrar uma outra opção, mais próxima ao teatro. — A
primeira etapa era colocar o tênis e correr ao redor do teatro para
encontrar algum ponto bom e perto.
Cenário escolhido, ele
descobria a hora que o bailarino seria liberado para pensar na luz e
planejar a foto — sem ajuda de flash ou rebatedor.
— Eu
levava tudo. Os figurinos estavam em uma mala. Na outra, as minhas
roupas. A câmera ia na mochila. Por isso, não dava para ter muito
equipamento. Nem mesmo um tripé. Em trabalhos de arte, eu prefiro estar
só — diz ele, que passou por momentos tensos no processo: na Grécia, um
policial interrompeu uma sessão de fotos para exigir que as imagens
fossem todas apagadas porque “as poses dos modelos estavam agredindo os
deuses”.
Quando foi encontrar os bailarinos para uma
sessão nos espaços públicos de Milão, Guilherme teve uma surpresa:
chovia sem parar. O jeito foi fotografar os bailarinos em um
apartamento. Assim nasceu a série “Desert flower/seeds”, de nus.
— Fiz um pequeno livro que acompanha o principal. Nas 60 fotos, as pessoas parecem sementes antes de brotar — diz.
Quando
enviou as fotos para a companhia, recebeu uma carta da diretora
artística, Janet Eilber, em que ela dizia que Guilherme “conseguiu
captar as convicções essenciais de Martha Graham e elevá-las ao futuro”.
— Chorei por alguns dias — encerra Guilherme.
Fonte: Jornal Ela - O Globo